segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Falta

Enquanto congelo acompanho o cor dos meus dedos mudar. Meus pensamentos tentam reescrever a minha história como se fosse possível reunir pedaços perdidos. Percebo o que me angustia, e talvez tenha angustiado a vida toda. Não sei onde começa, não separado o que me contaram do que realmente sei de mim. Ouço minha voz como um eco, quem fala de mim são os outros. E agora, completamente sozinha nessa imensidão de neve não há ninguém para me lembrar, para dizer se está tudo bem ou se na realidade vou morrer. Canso de tentar juntar o que não tem encaixe, apenas se sobrepõe em um movimento infinito, sem começo e sem fim. Minha história não cabe em uma linha. A voz que chamo de pensamento começa a me confundir e preciso falar alto para não enlouquecer, preciso ouvir quem eu sou. Não funciona; eco. Fixo os olhos na cor dos meus dedos, imagino que meu nariz vá ficar da mesma forma, acho que não o sinto mais. Me pergunto: se for queimando das pontas para o centro e assim matando partes de mim, o que existirá no meio do processo? Queria poder durar até o momento no qual todo meu corpo escurecesse, até que sobrasse o último ml de sangue e fibra de carne. Queria assim poder saber o que some enquanto morre o corpo, até quando seria eu. Onde está minha alma?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ciranda

Havia algo da morte que foi deixado lado, lembrando por acaso, ou não tão acaso assim, da inscrição que ele faria e não fez. Perdeu a data, como alguém que diz o que não disse. Na verdade ele não queria. E o que queria? Não dizia? Queria o que sempre negava.
Entrando na história. É quando toca a música na qual dançam os mentirosos: em pares movimentos regrados não permitem observar onde começa, onde aumenta e onde termina a mentira na qual vivemos. Forma-se uma ciranda e o movimento é único, uma grande massa coordenada, dançando. Dupla-se dançando. Movimento dos mentirosos. Inventa-se o mundo mais próximo do suportável ou desiste-se dele. Ninguém fica de fora.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Mais uma dos novos tempos

Sofria de amputação.
Uma nova doença no mercado médico farmaceutico.
Uma nova maneira de sofrer da alma e do corpo. Inseparáveis, indivisíveis.
Não se sabe porque leva este nome. Nada é retirado, extraído.
Não controla dor por retirar parte alguma.
Amputações, doença da impossibilidade de ver algo além de si.
Alienados pela rotina. Sufocados pela necessidade do primeiro lugar.
Estamos todos amputados.

Sofremos disso e de mais um pouco.
Matamos crianças achando que fazemos bem a elas.
Rotina, horário, médicos, dietas, futuro advogado.
Cara de empresário. Raciocínio de engenheiro. Nasceu pra que?
Amputados desde criança. Geneticamente alterados para sermos alienados.
Trabalhadores.
Dos mais abastados aos excluídos. Todos robôs de materiais diferentes.
Produzidos em série.

Case-se logo.
Tenha filhos.
Coma pouco.
Leia menos.
Veja mais tv.
Acredite em pesquisas.
Não coma azeite.
Faça planilha.
Seja alguém.
Seja bem sucedido.

Estava indivisivelmente amputada. Seus filhos geneticamente amputados. Sua beleza decapitada. Nosso tempo esquadrinhado. Meus filhos completamente limpos. Prato pouco e colorido para todo mundo. Controle remoto, controle.

sábado, 24 de setembro de 2011

AMOS

E para que se tem tempo? Para perder querendo ganhar o que não existe, um futuro que não existe em nenhum espaço que não o de desejá-lo. Tenho visto a tristeza contínua em todos aqueles que acreditam que pagar as contas no final do mês é sua maior alegria. E para os mais abastados a felicidade é pagar tudo que for mais caro porque é melhor, ou para não sobrar muito dinheiro. Digo isso sem hipocrisia ou inocencia rebelde. As pessoas não estão felizes, eu também não. Ninguém quer o mais difícil, o mais demorado, o que não é dado. Querem o imediato, o "prajá". Na velocidade que temos, perdemos. De amor, de valor, de beleza, ninguém quer saber. Para onde foi a vontade de ser algo que não podemos comprar, mesmo que por um segundo. E antes que venham aqueles que não entedem, eu gasto dinheiro, eu uso dinheiro, eu vou ao shopping, mas sei que não é disso que se trata a vida. É no shopping que compramos nossos uniformes, nos uniformizamos de diversidade. Nos tatuamos, nos furamos, escrevemos em blogs, comemos yogurt e japonês. Repito, "amos". Nós. E é sem saber o que fazer que me proponho ao conhecimento, que voto pela cultura, pela arte, pela música. Voto no amor, por mais clichê que isso seja. Estou cansada de reparar no olhar perdido de quem trabalha com movimentos automáticos, cansada de ver escravos pagos com salários baixos. Amputada pelo rumo irreversível dessa desigualdade. Cansada também da hipocrisia dos mais abastados, da falta de vergonha que algumas pessoas tem quando abrem a boca para falar o que pensam em botecos de luxo. Já cansei tão nova, e já entendi que não existe lugar onde possa me esconder, e mesmo se pudesse, tudo isso não deixaria de existir.



sábado, 2 de julho de 2011

Auto-auto-ajuda

Acorda para as coisas que você sente e pára de fingir que não sabe sentir. Acredita no primeiro caminho que aparecer na sua frente. Olha seu lado ao avesso. Sente o cheiro de flores que parecem sair do asfalto. Não se engane para criar um romance. Não invente romance para se enganar.
É muito melhor quando a gente relamente sorri. É muito melhor quando a gente fala sem pensar muito sobre os julgamentos. Para agradar alguém, não devemos fazer esforço. É melhor enganar um coração que sentiu, um coração que viveu. Está morta? Então morre. E caso a vida mande uma nova chance, não agarra de primeira. Vai voltar melhor ainda.


terça-feira, 28 de junho de 2011

Amanheceu

Cobertos por algo que tapava o céu, o colchão feito chão gelado, um frio que queima feito brasa. De repente um carinho daqueles feito com a ponta do nariz resfriado, um envolvimento de pernas que de tão enroscadas se faziam mil. O cheiro que se concentrava no ar não era de amor, nem de amizade, nem de certeza. Era um cheiro bom de encontro, que se desfazia na velocidade em que se construía. Como um casaco de lã que nunca cria forma enquanto a agulhas não param de trabalhar. A velocidade do mundo além deles é rápida, parece que crianças correm por um campo extenso, por um campo que faz eco.
Uma porta que nunca se abre, a brasa agora é de prazer. O que queima não é mais o colchão, as crianças fazem silêncio, o campo pega fogo sem fazer fumaça. Só o que se sente é o calor. Algo explode lá fora e algo implode lá dentro. O silêncio agora é eterno. Há uma voz que pede: não se vá. Repete incontáveis vezes, não se vá. A partir da terceira vez seu pedido não tem voz, pode-se apenas ler em seus lábios: n-ã-o s-e v-á. Repete isso sem perceber ele mesmo não está mais ali. A terra poderia sugá-los, o céu derreter o que impede seu azul de se fazer pintura para os olhos do casal. O tempo congela um beijo que não poderia ter sido diferente. O relógio acelera a separação. Não se vá.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Manhã clichê, conto repetido.

Despertei lentamente e estiquei minha mão direita procurando por você. Faz tempo que faço isso todas as manhãs, não desisto. Estico até sentir o ombro deslocar. Ombro no lugar. Hoje, especificamente, senti seu perfume e uma imagem invandiu meus pensamentos. Tive certeza que você estaria na portaria do prédio, pedindo perdão pelos meus erros. Ajoelhado diante dos meus pecados, chorando pelas minhas mentiras. Lembrei do tempo que fui kardecista, nos tempos de hoje acreditamos e desacreditamos em Deus com enorme facilidade. Lembrei e acreditei que meus pensamentos eram uma previsão do futuro próximo pós café da manhã. Sim, você estaria lá.
Levantei bem devagar, você sabe esperar. Esperou tantos anos ao meu lado por algo que nunca te dei. Tomei banho e ainda de toalha busquei um trecho do Milan Kundera que fala sobre fala sobre o olhar de quem não está por perto, que faz nos arrumarmos para quem queriamos que nos visse, mas não o faz. Passei o olho pelo trecho e pensei: que bobagem, ele está lá. Me vestindo para uma certeza, coloquei a roupa que você me deu e que não percebi ser tão bonita, até o dia em que me dei conta de que só meus vestidos ocupavam nosso armário, vazio de suas camisas. Bem, café pronto, cafeteira programada, mordida na torrada, farelo no decote. Pensei em interfonar e conferir se você estava mesmo por lá. Não preciso conferir, congelo sua imagem de joelhos. Me vejo por um segundo no seu lugar, peço perdão.

Pausa para lembrar da juventude. Depois da minha primeira decepção amorosa, esperava todos os dias o carro do ditocujo estar estacionado na minha portaria. Nunca estava. Uma sensação me remete a esse momento, sinto apenas a sensação mas não identifico o momento, não lembro do passado. É o medo sugerido por algo que já vivi, só o medo, o cara, o carro, o meu primeiro apartamento, nada disso aparece. Só o medo.

Sentimento vencido pela certeza da sua presença. Abro a porta. Hoje é domingo, minha noite foi de cão. Finjo ser terça, finjo que estou indo para o trabalho. Descendo o elevador penso nos casais que aproveitam domingo, dia sagrado, dia de macarrão e passeio no calçadão. Penso que isso é uma bobagem e lembro que você pensava como esses casais . Meu marido de anúncio de margarina, que nunca amei e que hoje movimenta minhas mãos no encontro da sua ausência. Agora o seu lado da cama quase congela. Impressionante como não me espalho mais na cama. Presença de ninguém. Assim que o elevador pára já constato que você não está lá.
Talvez se eu ainda acreditasse em Deus você estivesse, certeza que é certeza tem fé. Eu não tenho mais fé. Ou talvez isso seja uma prova de que Deus não existe mesmo. Você já foi e pronto.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Até o teto tá de ponta-cabeça

Como sempre esfreguei meus pés antes dos olhos. Existe um felicidade contida quando escuto uma música desconhecida vindo do cômodo ao lado, tem a letra em italiano, me faz despertar tranquilamente e sem medo. Pé direito no chão, caixa do correio vazia. Não ligo, sua letra não é mais necessária, minha certeza está no que ficou gravado. Um café, por favor.
Descubro a cama. Descubro coisas. Sim, descrobrimos coisas. Penso e páro de pensar no mesmo segundo. A felicidade pintada no espelho do banheiro, com tinta azul. Um soco na alma de quem tenta achar resposta para tudo ou para quem já tem resposta. Cada dia que passa eu me apego mais a dúvida. Deixa ela comigo, um dia a gente se entende.
Guardei minhas armas e o escudo de ferro hoje de manhã. Não vou usá-las mais, não dessa vez. Melhor deixar o peito aberto, mesmo que ele insista em se fechar. Não se trata mais de conquista, nem nunca tratou. Encontros são encontros. Caminhe.
Caneca amarela. O que me impede de ler ou de deixar que ele chegue logo sou eu mesma e não qualquer verdade que se impõe. Dúvida, volte para o meu lado. Café derramado.

Gostei de saber que tenho bom humor. Gostei da frase no espelho de hoje. Gostei de acordar outra vez. Gostei de sonhar com a praia. Gosto das músicas que tem tocado no meu rádio esses dias. Me deixam amar novamente. Gostei de sonhar com uma casa. Amar todas as coisas que já amei. O mundo não pode ser feito para sofrer.

"Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal"

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Conto perdido

A máquina faz um barulho estranho, mais alto do que o normal. Está quebrada. Ainda faltam algumas laranjas para que eu termine o suco. Minha mulher faz um barulho estranho, mais irritante do que o normal. Talvez seja sua respiração ou seu andar. Está quebrada. Mais alguns passos são necessários até que ela chega ao banheiro. Ela arrasta o chinelo. Eu tomo o suco.

A rua parece mais acelerada do que meus passos. Tudo parece desmoronar ao meu redor. Sinto que na verdade sou eu quem desmorona. Meu cabelo tem caído aos tufos, estou cada vez mais careca. A ciência tenta devolver meu cabelo, mas não impede meu desmoronamento. Acelero o passo, lembro dos passos de Renata até o banheiro. Ela se arrasta.

Chego na biblioteca. Aspiro o mofo. Caminho até a prateleira de filosofia antiga e toco alguns livros. Aspiro o mofo que fica nos meus dedos. Trabalho como restaurador e sinto-me feliz assim. O silêncio da biblioteca não acontece por obederecem as placas - SILÊNCIO . Acontece porque não há pessoas por aqui. Que alívio. Prefiro mofo à gente.

Meu horário chega ao fim. Posso ouvir os passos de Renata. Agora no salto. Arranha o chão e irrita o 302. Me irrita. Sou apaixonado pelas Deusas. Exatamente por serem Deusas. Renata nunca será uma, nenhuma mulher é uma Deusa. Afinal "mulher é tudo igual, se bobear os convites vão pra gráfica". Ela tira a sandália. Que alívio! Ela me beija e diz que vai fazer o jantar. Queria pedir uma pizza, mas tudo bem.

Sinto falta de não ser amado. Gostava mais de minha mãe. Ela nunca me beijou e sempre pedia pizzas. Não gosto do amor, gosto dos livros.

Como o jantar. Como Renata. Tomo outro banho. Coloco o óculos e pego meu livro. Corto o dedo no papel. Não ligo. Pego no sono com óculos e sangue nas mãos.

Acordo. A máquina faz mais barulho do que ontem.

sábado, 30 de abril de 2011

Poucas "ls"

Rachaduras do ser
Amores incompatíveis
Maneiras de encontrar
Ornamentos que decoram nossa música
Navios que vão por terra, ou por rios.

Aprendendo novas palavras.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ludicidades, neologismos, solidão e unidade

Outro dia estava lembrando umas brincadeiras que fazia quando era pequena, brincava de ser mãe, de cozinhar, brincava de sereia e de professora. Nunca quis ser rainha de nada, e sempre me virei muito bem sozinha. Mãe solteira, chef cozinha independente, sereia que ultrapassa uma "passagem" para o mundo humano que eu mesma fazia batendo com força as pernas na água, professora de cadeira vazias. Para os outros eu gostava de me exibir dançando. O curioso é que não sei cozinhar, não vou para o fundo do mar e me recuso a inventar um jeito de proibir um filho seja lá do que for. E a dança? Haha, isso nem comento. Só que me lembrei dessas brincadeiras não pára descobrir se ainda sou o que era quando criança lembrei por lembrar como eu era feliz sozinha, como eu não tinha medo de me perder no meu mundo, na minha cabeça, nas minhas idéias, na imaginação. Hoje tenho pavor.

(Também temo da sensação dolorosa de não acreditar em ninguém, de não conhecer ninguém, não entender ninguém. Isso é ser sozinho; pensar que os outros são meras continuações de mim? Isso é solidão, pensando assim existo sozinha. Só não quero me perder no assunto. Deixe-me continuar.)

Nas minhas brincadeiras nunca fui rainha, nem nunca quis ser. Nunca me vestia para o príncipe encantado, nem pensava nisso. Esperei crescer para me candidatar, esperei crescer para não chegar nem no primeiro degrau, nunca me aproximei do trono. Depois de grande a gente resolve brincar de sofrer, e sofre como se tudo fosse tão real. Sentimos dores que nos grudam na vida, que fazem com que nossas brincadeiras infantis pareçam sonhos, mentiras, um monte debobagens. Bobagem é viver e achar que isso que é o real. Bobagem é esquecer-se do teatro e fingir que somos e não que encenamos. Sem ensaio, sem roteiro, tal como minhas brincadeiras de criança.

Deixo aqui uma saudade de algo que nunca se separa de mim, eu mesma. A menina criança não morreu, nem ficou pra trás, nem mudou juntos com minhas formas. A criança não fica em algum lugar do passado, nem nas fotos, nem nas lembranças. Eu sou a mesma que dava aulas para cadeiras vazias, a mesma que sabia ser a melhor mãe do mundo? Sou e não consigo aceitar, insisto e perder-me por aí, em amadurecer qualquer coisa que não se amadurece. Sexo, dinheiro, profissão, e a morte no final, sempre no final.

Amanhã quando acordar vou brincar de alguma coisa, dessa vez sem pensar que pensam que minto em ser essa que sou.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O circo

Sim, ela pode voar. E eu também. Aprendemos cedinho, nos conhecemos cedo também. Nosso vôo dura poucos segundos, no entanto é tempo eterno, suficiente. Desde pequenos andando por esse mundão, eu nasci para palhaço e ela para voar, eu segui meus passos naturais e os dela também. Seguia seus passos morrendo de medo, apavorado... mas era tão bom ficar junto, quando caímos naquela rede enorme eu podia sentir o peso de tudo que vivia dentro daquela lona. Lona que faz com estejamos sempre em casa, mesmo que cada mês em uma cidade diferente. Cidade grande, cidade quente, cidade pequena, cidade que tem nome por acaso, cidade fantasma, cidade linda. Sim, eu poderia viver em uma cidade só, mas para que? Eu tenho uma casa e vivo em todas as cidades que eu quiser. Se um dia eu cansar, eu morro.
Preciso voltar a ela, minha sutileza, minha passarinha, minha fantasia de palhaço. Ora pinto algumas lágrimas, ora pinto o sorriso. Sempre tenho o mesmo nome, parece até que o nome que minha mãe me deu é apelido e o de palhaço é meu. Um palhaço trapezista, que tenta falar da sua mulher e não pára de falar de si. Ela é minha mulher por condição, sei que se pudesse me abandonar sem abandonar o circo, o faria. Ai, como eu amo essa picadeiro. Todo mundo pensa que é o lugar da alegria, mas digo, nem sempre é assim. Eu preciso chorar pra dentro, chorar sorrindo. Palhaço não chora?
Voa para mim minha pequena dos cabelos negros. Não solta da mão dos outros trapezistas, mas não se apaixone. Morro de ciúmes, perco o tempo da piada. Um dia vou voar melhor do dou cambalhotas. Um dia eu seguro seu voo diante do respeitável público, um dia .

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Casamento

Lourenço - Calma.

Noiva - Eu vou te matar.

Lourenço - Calma!

Noiva - Os convites já estão na gráfica. Você tem outra né?
Mesmo que você não me ame, a gente vai se casar. A gente vai.
Aceito tudo, tudo. Eu te amo, querido. Eu te amo.

Lourenço - Eu não tenho nada pra te oferecer. Você também não
tem nada pra me oferecer.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Engasgo de certeza



Os engasgos não estão nas palavras.
Sempre me pergunto como ter certeza das coisas que sinto, e no fundo é melhor acreditar, sentiu tá sentido. Na mentira aguardo pela surpresa, e na verdade pela decepção. Assim funciona, movimento das certezas.
Para acreditar no amor não basta uma sentença, não basta o eu te amo. Acredito no que está em outro lugar, impossível de indentificar, de apontar, apenas reconheço. Talvez tenhamos por costume dizer amo isso ou aquilo nele, amo o jeito que faz isso, amo o jeito que olha isso. No entanto a impossibilidade de apontar uma única causa para o amor reforça minha idéia do lugar sem nome, não se ama por isso ou por aquilo. Ama-se por não saber o dizer o porquê.
Não acredito na saudade declarada, acredito no tom da voz, acredito no silêncio de quem apenas não sabe dizer como sente minha falta, é quando as palavras se confundem, é um engasgo de certeza e não de dúvida. Não achar as palavras para descrever a saudade é mais sincero do que simplesmente declarar que sente.

O olhar com desejo, o toque de quem quer tornar-se um único corpo junto ao meu, a surpresa do beijo roubado, o cheiro que vem dos pulmões, admirar o outro enquanto dorme, a saudade da boa.

domingo, 3 de abril de 2011

A carona

No banco do carona eu espero e sinto muito calor. Não sei por mais quanto tempo vou ocupar aquele lugar, você dirige e não me importo. Finjo que não vejo você chegar, não movimento nenhum músculo do corpo, nem mesmo por sentir o suor queimando meus olhos. Você senta, liga. O carinho que nos é anterior a qualquer coisa, logo se faz presente em nossos braços que se cruzam, coxa e nuca. Tenho a certeza de que irei buscar esse cruzamento em próximos encontros de minha vida, no entanto quando outros dedos encontrarem minha coxa não sei serei capaz de levantar a mão e tocar outra nuca . Nossos entrelaces, por mais fortes que ainda sejam não tem mais lugar em nossas vidas.
O carro está andando, minha mão perde a força e não te segura mais. Meus olhos perdem o foco, me sinto submersa. Logo acima de nós uma ponte, um elevado, alguma coisa assim, parece que todos os carros resolveram ir por lá e deixaram esse casal falido na parte de baixo.
- Meu amor, minha casa é para o outro lado.
- Sua casa? Casa dos seus pais.
- Agora eu vivo lá.
- Não deveria.
Você ensaia uma briga e eu não quero escutar. Sua mão direita já voltou para a direção desde que chegamos perto da ponte. Não sei se por raiva, por nojo. Talvez não sinta mais que sou sua. Eu sou, sempre vou ser, só não aguento mais as dores que sinto após nossas brigas. Enquanto brigamos me sinto viva, sinto que te amo e que você me ama de volta. Parece que exatamente por isso, por não suportarmos sentir intensamente o indefinível, gritamos, quase nos agredimos. O que dói é a morte que sinto depois, me falta um ar que não sai dos pulmões, poderia morrer e ter um corpo vivo. Será que você me entende?
Saio do seu carro, meu chaveiro com outras chaves. Te abraço, você fica imóvel. Aceito aquilo como amor e vou embora. Lembro-me da primeira vez que precisamos nos separar e você disse : "não olhe pra trás". Não obedeci, claro! Assim que o vidro tornou-se transparente somente para mim, fixei meus olhos no cenário que você ocupava, virei para trás e mantive meu pescoço travado até que a curva do ônibus me roubasse de você por 6 meses. Lembro e decido que agora não poderá mais durar seis meses, tem que durar para sempre. Não olho para trás, dessa vez o vidro é transparente para você.


" Sometimes it lasts in love, but sometimes it hurts instead "

sexta-feira, 18 de março de 2011

Repostagem

O carnaval já passou e foi lindo.
Alguns anos já se passaram desde que escrevi isso e não acredito que fui eu. Precisa de revisão como a maioria dos meus textos, mas eu gosto.
Hoje é aquele dia que eu resolvo abrir meu blog, ler as coisas que eu escrevo e decidir que escrevo bem. Que me falta coragem, paciencia, carinho e confiança em mim mesma.
Alguns amigos confiam em mim. Vou repostar um repost que o Brunito fez em 2008, de um texto que escrevi sei lá quando.
Quem sabe não me animo e começo a cuidar do meu blog com mais carinho.




SÁBADO, 5 DE ABRIL DE 2008

Noite dos mascarados

Hoje vou compartilhar um texto fanstástico, baseado na música Noite dos Mascarados de Chico Buarque. Desde da vez que li fiquei encantado, tanto com a música que escutei uns dias antes de ler. O texto é lindo e foi escrito por uma grande amiga minha, Paula Clapp.Vocês vão gostar.

" - Eu sou seresteiro, poeta e cantor
- O meu tempo inteiro, só zombo do amor
- Eu tenho um pandeiro
- Só quero um violão
- Eu nado em dinheiro
- Não tenho um tostão...
- Fui porta-estandarte, não sei mais dançar
- Eu, modéstia à parte, nasci prá sambar"

Chico Buarque

E assim foi a noite inteira uma eterna apresentação. Dentre os tantos esbarrões que atrapalhavam os beijos e os confetes que grudavam nas costas tão bonitas daquela moça, Ele podia jurar que se não fosse carnaval se casaria com ela, mas pra evitar o que sempre temeu achou melhor nem perguntar seu nome, só continuar dançando e respondendo suas perguntas. Agora, ela ... se espantou com a cantoria tão antiga para um rapaz tão novo. Se encantou com mãos tão bonitas e dança a toda hora. Me deixa ir, pedia. Os dois queriam pular entre aquela multidão fantasiada, se entrelaçar pelas serpentinas, sentir o gosto das drogas que ali se serve discretamente. E ao mesmo tempo queriam se encontrar a cada três passos. " Vou ali ", " Fico aqui", Corrida para o banheiro. Ele realmente voltou e ela esperou. Não que no caminho não tenha promovido outras mulheres a suas atuais amantes, nem que ela na dor da espera não tenha se consolado com outros. Foi como o tal casamento evitado. Amor bandido de carnaval. Amor bandido de todos os dias. Do cotidiano mesmo, feito em uma noite, pulo a pulo, sem perder nem um sorriso e evitando as lágrimas. Lágrimas só as que ele pintou, faziam parte de uma metade do seu palhaço.
Um palhaço e uma boneca. Exatamente o que eram por fora e por dentro. Para que lavar o rosto? Para que tirar aquela mascara tão bonita que pintaram no plano exato de procurar seus pares. Assim foi até o salão ficar vazio e abrigar apenas os recém casados daquela noite, os amantes fugidos e alguns solitos que se afogaram na bebida.

Paula Clapp


" Mas é carnaval, não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal ... "

Chico Buarque




sábado, 26 de fevereiro de 2011

A marca dos seus olhos

A dor não está nele, nem em mim. Não é culpa da saudade, nem da nossa nova oportunidade. Dói saber que sentimos algo que não sabemos definir, e o que não tem definição não tem lugar no mundo. Não faz namoros, nem casamentos, nem mesmo brigas. Não sabemos definir e não somos capazes de juntar essas dúvidas, assim eu fico aqui, você fica aí e apenas nos permitimos pensar, sonhar.
O que também não me livra da dor, das lágrimas, e as vezes da felicidade de ainda saber como é você. Quando acho que esqueci seus traços, um sonho mostra que lembro os traços, o cheiro e os olhos de lágrimas, com a marca do lado, que eu tanto amo. É, amo. Guardei no fundinho de alguma gaveta do meu ser, está quietinho, mesmo me mostrando que não se apagou sempre que aparece nos sonhos. Assim as coisas vão acontecendo. Assim como você todas as coisas que aconteceram, e todos as coisas que acontecem são exatamente quem sou eu, ou pelo menos a parte de mim que reconheço.
Muitas gavetinhas. Que guardam pessoas e outras coisas.