quarta-feira, 25 de maio de 2011

Até o teto tá de ponta-cabeça

Como sempre esfreguei meus pés antes dos olhos. Existe um felicidade contida quando escuto uma música desconhecida vindo do cômodo ao lado, tem a letra em italiano, me faz despertar tranquilamente e sem medo. Pé direito no chão, caixa do correio vazia. Não ligo, sua letra não é mais necessária, minha certeza está no que ficou gravado. Um café, por favor.
Descubro a cama. Descubro coisas. Sim, descrobrimos coisas. Penso e páro de pensar no mesmo segundo. A felicidade pintada no espelho do banheiro, com tinta azul. Um soco na alma de quem tenta achar resposta para tudo ou para quem já tem resposta. Cada dia que passa eu me apego mais a dúvida. Deixa ela comigo, um dia a gente se entende.
Guardei minhas armas e o escudo de ferro hoje de manhã. Não vou usá-las mais, não dessa vez. Melhor deixar o peito aberto, mesmo que ele insista em se fechar. Não se trata mais de conquista, nem nunca tratou. Encontros são encontros. Caminhe.
Caneca amarela. O que me impede de ler ou de deixar que ele chegue logo sou eu mesma e não qualquer verdade que se impõe. Dúvida, volte para o meu lado. Café derramado.

Gostei de saber que tenho bom humor. Gostei da frase no espelho de hoje. Gostei de acordar outra vez. Gostei de sonhar com a praia. Gosto das músicas que tem tocado no meu rádio esses dias. Me deixam amar novamente. Gostei de sonhar com uma casa. Amar todas as coisas que já amei. O mundo não pode ser feito para sofrer.

"Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal"

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Conto perdido

A máquina faz um barulho estranho, mais alto do que o normal. Está quebrada. Ainda faltam algumas laranjas para que eu termine o suco. Minha mulher faz um barulho estranho, mais irritante do que o normal. Talvez seja sua respiração ou seu andar. Está quebrada. Mais alguns passos são necessários até que ela chega ao banheiro. Ela arrasta o chinelo. Eu tomo o suco.

A rua parece mais acelerada do que meus passos. Tudo parece desmoronar ao meu redor. Sinto que na verdade sou eu quem desmorona. Meu cabelo tem caído aos tufos, estou cada vez mais careca. A ciência tenta devolver meu cabelo, mas não impede meu desmoronamento. Acelero o passo, lembro dos passos de Renata até o banheiro. Ela se arrasta.

Chego na biblioteca. Aspiro o mofo. Caminho até a prateleira de filosofia antiga e toco alguns livros. Aspiro o mofo que fica nos meus dedos. Trabalho como restaurador e sinto-me feliz assim. O silêncio da biblioteca não acontece por obederecem as placas - SILÊNCIO . Acontece porque não há pessoas por aqui. Que alívio. Prefiro mofo à gente.

Meu horário chega ao fim. Posso ouvir os passos de Renata. Agora no salto. Arranha o chão e irrita o 302. Me irrita. Sou apaixonado pelas Deusas. Exatamente por serem Deusas. Renata nunca será uma, nenhuma mulher é uma Deusa. Afinal "mulher é tudo igual, se bobear os convites vão pra gráfica". Ela tira a sandália. Que alívio! Ela me beija e diz que vai fazer o jantar. Queria pedir uma pizza, mas tudo bem.

Sinto falta de não ser amado. Gostava mais de minha mãe. Ela nunca me beijou e sempre pedia pizzas. Não gosto do amor, gosto dos livros.

Como o jantar. Como Renata. Tomo outro banho. Coloco o óculos e pego meu livro. Corto o dedo no papel. Não ligo. Pego no sono com óculos e sangue nas mãos.

Acordo. A máquina faz mais barulho do que ontem.