segunda-feira, 16 de julho de 2012

Todos os tiros

É quando bate sol que reflete. Atravessa o tecido e a porta de vidro, bate no espelho do fundo e aí sim todos os bichinhos de cristal refletem minha única riqueza. E quem diria, vinda do lixo. Cheios de charme meus bichinhos tomam chá sem olhos, em xícaras sem asa,  bracinhos lascados. Sempre quis uma dessas, quem diria! Combina com todo o pouco resto, com as xícaras amarelo-marrom-transparente herdadas com amor.Quando bate o sol é que esquenta toda minha certeza, me cega. Agulha arranha, gira o tempo.
Só segue o silêncio musicado. Coloco, sem vergonha, uma trilha sonora para a manhã, na realidade, gosto muito de trilhasonar o dia , pois de silêncio sucumbo nas madrugadas, luzes borbulhantes. Ontem assisti sem som e sem par à um pornô brasileiro, bom de tanto que dublagem não sincroniza

Sucumbe-se de excesso. Construir, usando o que nos falta torna mais sereno nosso caminho.

Atiro pela porta. Atiro na porta. Atiro-me. Há tiro. Há pouco. Esburaco minha alma de tanto dizer. Há mais que tiro. Deixo o excesso e fico presa no chão. 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Comida em cena

Cena 1
Cinco jovens devoram, engolem, saboreando uma comida feita por um restaurante da zona sul. Não era um dos restaurantes mais chiques, mas a comida imitava comida do dia-a-dia e tinha nome de gente famosa no cardápio. Coisa fina para quem é só classe média, coisa pobre para os gigantes do dólar. Cinco jovens agachados, no meio da rua, devoram, engolem e sem saborear matam a fome. De longe lembram bichos dividindo a presa. A comida que virou lixo. O lixo que virou comida. Cinco jovens, todos negros, imundos e com certeza para muitos, assustadores, sinônimo de perigo.

Cena 2
Eles estão soterrados. Acabaram de mudar de apartamento, pós primeira vez, sei. Quando a entrega chegou, sufocaram. O que já tinham em casa poderia até ser suficiente, mas quem é que resiste a uma prataria linda nos dias de hoje? A comida fica mais bonita, afinal comemos com os olhos. Logo virão as crianças e o acúmulo de capital é fundamental, desde sempre. O casal tropeça no excessos. Ops, excessos não! Necessidade. Quem não precisa dos eletros mais eletros dos últimos segundos? Em seis meses eletros já são coisa do seu passado desatualizado! Hoje em dia tudo é muito rápido. Acumular é fundamental, para isso serve Gramacho. Lá as crianças não comem com os olhos, comem com a fome.



sexta-feira, 2 de março de 2012

M.

Começamos a morrer quando nascemos. Mentira. Cada um sabe a hora que começa a morrer, começa a desintegrar, desistir, sumir, se perder. Na covardia , espera-se a morte chegar na surpresa de uma doença, na rapidez de um acidente, ou na eternidade de tornar-se velho. Desde o momento que se reconhece bicho de pouca luz, pedaço pequeno que não vê a si mesmo, limitado de suas vontades, pouco chegado a companhia de seres que julga inferiores. Encontra-se pedaço de coisa qualquer que não concentra, não cumpre com metas, não ama, não se vê, não sabe nada. Qualquer coisa feia, suja e enganada de si mesmo. Mentindo come as letras, pula os pontos e não sabe escrever. Carente que não sabe amar. O tempo esmagado pela mentira de quem deveria ter dito verdade, carente de qualquer coisa que nunca teve e não provou nem mesmo de forma amarga. Morta de tudo, mortos de pouca existencia. Caminhantes de pouca esperança. Cansados de existir e covardes para fugir daqui. Não me vejo e não vejo mais ninguém. A morte chega, chega, chega e dá sensação de qualquer outra coisa que não sabemos definir. Escrita, corpo. Espelho que reflete o que não queria ver. Vou deixar que chegue na surpresa, ou na rapidez. Aproveitando a dor de sentir chegar a solução.