domingo, 13 de janeiro de 2013

Caminho pelo corredor

O barulho da lâmina tocando o osso incomoda mais do que a dor. É que demorou tanto para chegar nos ossos que não dói mais. No entanto, o barulho me desperta e faz lembrar que ainda corta. Ninguém chora uma morte o tempo todo, mas pode ser que chore para sempre. Sentir a morte pressiona o peito, empurra minhas duas metades. Corrói meus dentes, impulsiona minhas mentiras, me faz avançar no que me destrói.Tem muitas palavras que eu não sei pronunciar. 
O barulho da lâmina cortando as frutas. O barulho da lâmina que vem da cozinha. São pedaços para se juntar. E ainda que perfeitamente recolocados irão apodrecer. Não há costura ou perfeição que reconstruía as antigas frutas. Porém não se preocupem. Despedaçadas ou não, apodreceriam do mesmo jeito. É aí que a lâmina pega do osso e não corta mais. Ossos fortes, lâmina gasta. O barulho da festa diminuiu, o meu olhar sossegou. Foi só um fôlego que tomamos na superfície. Nossas vidas são assim mesmo, tentando respirar o tempo todo.
O barulho da lâmina sendo arrastada pelas paredes. Tentando marcar aquilo que pode ser pintado. De cores ainda mais linda. Arranhando, marcando, deixando algumas letras escritas. O próprio tempo se encarregou de desgastar o resto da tinta da parede, deixando tudo uniforme. O tempo dos sonhos é exatamente aquele que precisa acabar, se a gente não acorda passa a ser realidade.Aí é só bobagem e barulho. 
Capto pouco no final. O suficiente para saber que ainda é a mesma coisa. A gaveta que tento abrir tem uma mola que tensiona para fechar. Ninguém sabe o que aquela mola faz ali ou quem colocou ou porque colocou. Pobre gaveta fechada. Pobre gaveta tensionada. Tão linda, de puxadores valiosos. E o pior, está cheia. Quem tensiona para abrir, por vezes consegue colocar alguma coisa lá dentro. O esforço para abrir é tão grande que todo mundo escolhe guardar uma coisa que gosta muito. O tempo tem enferrujado a mola.
Capto tudo. Quebro essa gaveta. Quebro meus dedos tentando deixar ela aberta. É assim que a lâmina corta a primeira camada de pele, tentando aliviar a dor dos dedos quebrados. Deixo na gaveta, pedaços dos dedos amputados pela força da mola. Capto o rapto dos meus dedos. Maldita gaveta cheia de pontas de dedos. A lâmina quebra ao chegar no osso.

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