quinta-feira, 25 de abril de 2013

Dois tempos

Desordem era minha palavra de ordem. Eu não cabia dentro do meu próprio peito quando via a rapaziada chegar. Eu suava frio e palpitava quando chegava a hora de brincar. Estudar, voltar, brincar e ver a noite chegar. Eu tremia por dentro quando sentia meus pés no cimento, meus dedos ensopados de lama e meu peito molhado de suor e poeira. Chorava como criança que era quando o castigo era severo. Trocava o pé de chinelo, pé direto no chinelo esquerdo e pé esquerdo no chinelo direito. Morria de rir. Chorava com a dor de perder a cabeça do dedão. Comia com as mãos e seguia o mestre. Como era bom ver a molecada correr, que bom era sentir o frio na barriga que dá na hora do lanche. Fechava os olhos e desejava fundo bolo de milho e café com leite para todos os amigos. Às vezes sim, outras não. Como eram bons os sintomas de ser feliz.

Corríamos de um lado para outro e acreditávamos nas histórias de meu pai. Perdi meu pai logo cedo e dei um bom lugar pro vazio em meu peito. Era o lugar do meu pai. Perdi muito amor com esse vazio. Não faz muito tempo preenchi com o pai que me tornei. Meus moleques correm para todos os lados. Que tarefa mais esquisita essa de ser pai. Deixo comer isso, proíbo aquilo. Deixo correr ali, proíbo aqui. Qual a escola? Devem fazer inglês? Que tarefa ingrata. Que delícia é viver minha molecagem de outro ângulo. Moçada, todo mundo pra rua! Moçada, olha o livro que papai comprou: é Manoel de Barros. Dá um beijo aqui no papai. Como são bons os sintomas da dúvida. 

Suar frio, palpitar, tremer, escorrer, correr, ir, voltar, rezar, seguir, implorar, sonhar, criar, desejar, trocar, preencher o vazio com meu pai. Preencher meu vazio sendo pai. Ser criança e deixar de ser como uma tarefa contínua de quem assume o papel de ser adulto, mas não quer morrer de tédio. 

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